domingo, 20 de outubro de 2013

Interculturalidade: desafio empresarial

A treinadora, coach executiva e palestrante finlandesa Hanna Helstelä teve seu novo artigo Going Global: aprendizagem intercultural como desafio empresarial publicado em português no recém-lançado Manual de Treinamento & Desenvolvimento, da ABTD. Em entrevista exclusiva ela comenta alguns conceitos e conta sua trajetória.



É interessante ler um artigo sobre competência intercultural escrito por alguém que além de pesquisar, vivencia o tema na prática. Hanna Helstelä é finlandesa, cresceu na Alemanha e vive no Brasil há três anos. Treinadora, coach executiva e palestrante, ela escreveu o capítulo Going global: aprendizagem intercultural como desafio empresarialque faz parte da 6° edição do recém-lançado Manual de Treinamento & Desenvolvimento da ABTD(Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento).

No artigo, ela expõe conceitos iniciais para quem deseja se aprofundar no tema, explica o Modelo do Desenvolvimento da Sensibilidade Intercultural do professor e pesquisador americano Milton Bennett e dá alguns exemplos de como treinamentos interculturais podem auxiliar empresas na busca de sucesso econômico internacional.

Hanna fez toda sua formação em instituições da Alemanha, Suíça e Áustria, sempre na área de liderança, desenvolvimento pessoal e organizacional. Trabalhou como consultora na Daimler (Mercedes) e na ZF Friedrichshafen. Entre 2002 e 2009 deu aula de Liderança e Gestão de Mudanças na Universidade Cooperativa do Estado de Baden Württemberg, Ravensburg, na Alemanha, foi membro de bancas examinadoras e orientadora de trabalhos de final de curso para a obtenção do grau de bacharel.

Há três anos no Brasil, ela aprendeu português e acaba de abrir sua própria empresa de treinamento e consultoria em Santo André, São Paulo, onde vive com o marido também alemão e professor da UFABC. Hanna participou como palestrante da Conferência Intercultural da SIETAR Brasil, que aconteceu em setembro deste ano, em São Paulo e reflete sobre as peculiaridades da nossa cultura.

Porque você  se mudou para Alemanha?

Minha família se mudou em 1969 para Langenfeld, uma pequena cidade perto de Colônia, onde havia uma marcante presença finlandesa. Eu era criança, tinha apenas três anos. Cresci lá e em 1986 fui para Stuttgart estudar Artes. No ano seguinte me mudei novamente, desta vez para estudar literatura russa e política durante 1,5 ano na Universidade de Konstanz, na Alemanha também. Eu queria entender o contexto da guerra fria daquela época. Kontastanz é uma cidade muito bonita que faz fronteira com a Suíça. Mas decidi estudar Administração e lá mesmo fiz a graduação e o mestrado.

E como começou o seu contato com os estudos interculturais?

Em 91 eu fiz um estágio de oito meses no setor de RH da Mercedes, em Stuttgart, trabalhei com desenvolvimento pessoal e depois me chamaram para trabalhar com desenvolvimento de liderança. Em 98 fui convidada para trabalhar na ZF (empresa automotiva), também na área de RH, e voltei para o sul da Alemanha. Em meados de 2000, as empresas se abriram mais e o mercado de trabalho na Alemanha começou a ficar mais internacional, mas a princípio apenas nos setores de liderança. Foram contratados parceiros para trabalhar na área intercultural, consultores e coachs para preparar principalmente os líderes. Em 2005 eu fiz o primeiro treinamento intercultural e depois comecei a me aprofundar no assunto e fazer vários cursos, entre eles a formação com Milton Bennett.

Os empresários já têm consciência da importância desta competência específica?

Os executivos em geral ainda têm pouca consciência sobre a importância da competência intercultural. Quando eles precisam realizar uma negociação com empresas ou profissionais de outros países, a tendência é achar que não precisam de um treinamento específico. Eles precisam amadurecer mais esta mentalidade, é raro que uma empresa dê importância a este assunto. Os melhores líderes internacionais têm sensibilidade para lidar com a diversidade. É uma competência que tem que ser desenvolvida.

Como é o campo de trabalho desta área no Brasil?

 As empresas brasileiras não investem muito no exterior. E quando as empresas internacionais chegam aqui, em geral, há uma tendência entre os brasileiros de achar que elas é têm que se adaptar à cultura local, quando na verdade o ideal é que o processo de adaptação seja um trabalho de ambas as partes. O foco das empresas em geral costuma ser mais nos expatriados.

Quais são as competências esperadas de um líder na Alemanha?

Em geral eles são bem analíticos, sabem pensar estrategicamente e lidam muito bem com as pessoas, mas um relacionamento focado no trabalho e não tão pessoal quanto aqui no Brasil. Ele deve conhecer profundamente sua área de trabalho. Quando eles delegam uma função há a expectativa de que o funcionário traga soluções. A educação na Alemanha ensina o pensamento crítico, focado em bons argumentos e na solução de problemas. Um pensamento lógico, estruturado e analítico.

E quais são as competências esperadas de um líder brasileiro?

Aqui a relação é mais pessoal do que lá. Em primeiro lugar o líder tem que gostar de você e você do líder. Aqui é muito importante a questão da confiança. Aqui ele tem que ser mais persuasivo, deve motivar e convencer as pessoas. Já os alemães não confiam muito na persuasão, nas palavras. Eles são mais atentos às atitudes e aos resultados. Os líderes daqui precisam ampliar a competência intercultural, as habilidades de comunicação e a capacidade de desenvolver os funcionários.

A formação histórica do Brasil inclui pessoas de diversas origens, você acha que esse contexto facilita a consciência das relações interculturais?

Aqui as pessoas têm mais interesse na competência intercultural. Já na Alemanha a tendência é achar que os outros países têm que aprender com eles, o que também é uma visão inadequada. No Brasil existe uma sensibilidade em relação ao assunto. As famílias aqui possuem membros de diversos países mas em geral as pessoas lidam com isso de uma forma inconsciente. Mas esse contexto propicia o interesse no assunto e aumenta a possibilidade de tornar o tema consciente, mais do que na Alemanha.

Como foi a sua adaptação ao Brasil?

 Aqui eu fui muito bem recebida, se relacionar com as pessoas é fácil e rápido, logo me senti bem, em casa. Mas em relação ao trabalho foi diferente. Na Alemanha você fala onde você estudou, o que você fez, seus cursos e você tem uma referência. Lá eu trabalhava com a alta liderança. Eu me mudei para cá na mesma empresa e tudo funcionava de uma forma diferente, não consegui trabalhar da mesma forma que trabalhava lá, me senti muito perdida no início. Aqui era responsável pela área de treinamento e desenvolvimento (da ZF do Brasil) e vi na prática um conselho que recebi antes de viajar. “Esquece o seu currículo, as pessoas no Brasil vão ver primeiro se gostam de você”. Mas hoje já me adaptei, gosto do estilo de vida que existe aqui.

Como você se sentia na Alemanha?

Minha ligação com a Finlândia é muito forte, sempre falei finlandês em casa com a minha família e visitava constantemente meu país. Mas cresci na Alemanha e falo alemão como nativo e lá todos achavam que eu era alemã. Essa desconsideração em relação à minha origem me chateava às vezes. Vi na prática como o modelo de Milton Bennett é genial. Ele destaca a importância de ultrapassar o estágio da minimização. Neste estágio achamos que todos somos iguais, o que não ajuda a integração porque não há o reconhecimento da diversidade, que é essencial para a aceitação real da cultura do outro.   
 
por Cristiana Lobo
 

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